O quinto mês
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A Ciência é importantíssima para o desenvolvimento do ser humano. A título de exemplo, se o gás nunca tivesse sido descoberto, hoje os nossos fogões possuiriam pequenos paus e pedras no lugar dos bicos de gás. E apenas tomaríamos banhos de imersão, uma vez que seria estupidamente difícil aquecer a água de um chuveiro à medida que ela fosse caindo.
Sem electricidade, por exemplo, os computadores e internet apenas funcionariam enquanto pedalássemos fortemente na nossa bicicleta de ginástica com correia ligada a um gerador. E isso tornaria a leitura do DQD uma tarefa ainda mais penosa, dada a quantidade enorme de texto que esse site possui. Portanto, como vêem, a ciência e tecnologia são de uma importância extrema na nossa sociedade, sendo até responsáveis pelos projectos humorísticos mais interessantes alguma vez realizados dentro das nossas fronteiras.
É por isso que o meu quinto mês de vida seria dedicado à busca do desenvolvimento tecnológico.
Uma área científica que sempre me interessou foi o desenvolvimento de próteses biomecânicas. Portanto, parece-me óbvio que uma paragem num laboratório de investigação com vista a alterar algumas partes do meu corpo seja um passo obrigatório com vista a melhorar a qualidade do conhecimento humano sobre a matéria.
Começaria por amputar o meu braço esquerdo (tudo bem, não sou canhoto), dando ordens aos técnicos laboratoriais para que o conservassem de modo a poder ser reimplantado mais tarde. E trataria então de instalar um braço mecânico, à semelhança do esqueleto do Arnaldo Chuarzenega-mos no Terminator. É claro que o meu braço teria de possuir um pouco mais de estilo do que os torniquetes metalizados que costumamos ver nesses filmes manhosos de ficção científica. Seria por isso que contrataria a equipa de design da Apple. Teria então um braço mecatrónico, com a força de uma centena de braços humanos, leitor de mp3, telemóvel incorporado e um emissor de ondas electromagnéticas capazes de baralhar qualquer sistema de alarme de hipermercado. Delicio-me ao imaginar uma dessas cenas:
PIRIRIRIRIRIRIRIRIRI!!!!
- Desculpe, o senhor aí! – diz-me, inocentemente, um dos seguranças do Continente – se pudesse esperar um pouco… é que o alarme está a tocar…
- Ai sim? Mas será por minha causa? – perguntaria, fazendo-me de parvo
- Pois, eu julgo que sim. O senhor comprou alguma coisa neste hipermercado hoje?
- Não, nada mesmo. Estava de saída. Até passei pela saída que diz “Saída sem compras”, como vê.
- Pois, bem sei. Mas é que o alarme tocou, e eu vou ter de lhe perguntar o que é que possui dentro da sua mala. O senhor compreenderá, de certeza…
- Claro que compreendo. Mas espere, acho que tenho uma ideia do que poderá ter disparado o alarme. Ora segure-me aqui na mala enquanto eu arregaço a manga…
Dificilmente existirá vocabulário na língua portuguesa para descrever o ar de espanto do segurança e de todos os funcionários do hipermercado!
Parece que estou a ver a cena como se estivesse a passar neste momento!
O meu braço mexer-se-ia lentamente, ora para a direita, ora para a esquerda (um pouco como as coligações políticas no nosso país), para se baixar estrondosamente, logo de seguida, em cima do balcão de reclamações do hipermercado. Enquanto que o segurança mudava de cor e os seus cabelos se levantavam como as penas de um pavão na hora do engate, a revelação de que as funcionárias que se encontram por trás do balcão de reclamações não usam nada abaixo da cintura causaria grande embaraço à administração da Sonae (para além do prejuízo da substituição de um balcão agora feito em dois). O fabuloso ribombar que se faria sentir em todo o hipermercado atrairia os mais curiosos das redondezas que, sem saber o que fazer e boquiabertos com o grandioso espectáculo que os seus olhos acabavam de presenciar, chegariam apenas a tempo de me ouvir dizer
- Ops! Peço desculpa… é que o driver que põe esta coisa a funcionar ainda tem alguns bugs… Mas repare, tenho um leitor de mp3 com 100 GB. São mais de dois meses a tocar e sem repetir a mesma música!
Porém, trocar o braço seria apenas um começo. Sendo uma pessoa com quase dois metros de altitude e calçando o número 46, tenho grandes dificuldades em encontrar sapatos. Pelo que trocaria também os meus pés por próteses metálicas, igualmente desenhadas pela Apple, e com sistema de GPS ligado ao meu córtex visual. Assim, bastaria imaginar um local, e os meus pés levar-me-iam até lá. É óbvio que não perderia a oportunidade de entrar pela sapataria Charles adentro, pedindo para experimentar o par de sapatos mais caro da loja.
- Ora bem, sr. Toscano – diria o engravatado funcionário – vamos então experimentar o sapatinho. Se quiser ter a bondade de tirar o sapato que traz calçad… DEUS MEU! MINHA NOSSA SENHORA! QUE PORRA VEM A SER ESSA?!!!
- Gosta? É a minha prótese nova! Veja, até mandei implantar unhas humanas para dar um toque mais retro à coisa.
- Arrrrrghhh!! DEUS!!
E a perda de compostura do empregado não seria o maior problema da sapataria Charles naquele dia. Ou, pelo menos, não tão grande como ter de accionar o seguro pessoal de acidentes de trabalho e explicar à seguradora que um empregado ficou sem a sua dentição frontal após um cliente excêntrico ter mencionado que foi um sistema de GPS descontrolado que levou os seus pés até à boca do dito cujo.
Enfim, pormenores…
Mas deixando brincadeiras infantis de lado, estaria na altura de utilizar a tecnologia no meu próprio corpo com propósitos realmente úteis. Ou seja, instalando um emissor de FM estéreo, protegido pela minha caixa toráxica, e alimentado pelos meus batimentos cardíacos. Este transmissor seria potentíssimo, capaz de emitir em diversas frequências simultaneamente, a ponto de se sobrepor a todas as estações de rádio num raio de cinco quilómetros. As editoras discográficas assediar-me-iam violentamente, loucas para que eu assinasse um contrato que determinasse que só passaria música dos seus catálogos. Obviamente, não me deixaria comprar (até porque, caso não se lembrem, a ideia é gastar!). Promoveria eventos, concertos, exposições e saldos inexistentes, de modo a levar as pessoas para os sítios errados às horas erradas. A precisão e potência do emissor seria tal que até teria capacidade para modificar as luzes dos semáforos por onde eu passasse, criando o caos e a anarquia generalizada.
E nada seria como dantes.
Tudo graças à coragem de um homem que, a braços dados com uma avultada conta bancária, decidiu estudar as possibilidades científicas da biomecânica e contribuir grandemente para a evolução da espécie.
Moral da história: caso se queira transformar num cyborg, não se esqueça de guardar o contacto de um bom mecânico.
Pensem nisto, minhas chavinhas de estrela…