3/26/2005

A gula e a catarse

As bolachas da aveia são, a par com os gelados da Haagen-Dazs, uma das minhas perdições.
Começo por abrir um pacote sabendo perfeitamente como a história vai acabar.
Tiro uma bolacha e levo-a à boca. O sabor é familiar, mas só à segunda bolacha é que “assenta”. A primeira serviu apenas como um “Olá! Estou de volta!”. Isto implica que a segunda bolacha seja obrigatória, uma vez que não pude desfrutar da primeira convenientemente. A primeira serviu apenas para tirar o gosto do que quer que estivesse lá antes.
A terceira bolacha é muito importante, pois marca o primeiro ponto de não retorno. Tem de ser tirada com uma aparência despreocupada, de preferência enquanto finjo fazer outra coisa qualquer, pois é essa despreocupação que me permite tirar a quarta conscientemente.
Após a quarta dose de aveia com açúcar, olho para o pacote e penso “Bolas, ainda há tantas! Vou só comer até meio do pacote…”. E tenho, então, carta branca para comer mais duas ou três.
Ocorre então uma paragem. Uma pessoa conscienciosa olha para o meio do pacote e pára sem pensar no assunto. Uma pessoa de excessos como eu, porém, entra numa profunda dissertação filosófica sobre o porquê de continuar ou não a comer mais algumas bolachas. Estão-me a apetecer, sim, mas depois é mais um quilo que engordo (pois se comer um pacote de bolachas o “dia está estragado”, e isso dá-me permissão para fazer outro disparate mais tarde). É aqui que se dá uma viragem genial. Desvia-se o foco da gula para a sede. Apetece-me um copo de leite! Desgraça total!! Tiro um pacote do frigorífico e encho um copo, sem ter fechado o pacote das bolachas. Agora, tenho um copo de leite branquinho e imaculado, pronto para ver a sua virgindade sacrossanta ser atacada viciosamente por uma bolacha sequinha e rija. E o facto de ter dado umas goladas de leite revigora a fome, pois já não me sinto tão embuchado. Pelo que retiro novamente mais umas bolachas e entro no segundo ponto de não retorno. As bolachas sabem cada vez melhor! Molho-as no leite como se estivesse em guerra com elas. “Com que então querem luta, hã? Então tomem lá deste kriptonite branco!”. E a moleza exterior que as bolachas ganham, a par com a rigidez que ainda possuem no interior, provoca uma espécie de orgasmo palatorial. Uma combinação de dois prazeres distintos que decidiram unir-se com um propósito comum.
Faltam duas bolachas para acabar o pacote. E agora? Deixo-as lá apenas para poder dizer que não fui eu que acabei com o pacote? Nã… Quase que parece mal deixá-las lá. Mais vale acabar já com a miséria delas, mandar fora o plástico e substituir a embalagem por uma nova.
No pico da consciência pesada, conforta-me pensar que a minha gula não representa um acto de descontrolo mas sim uma manifestação de solidariedade catártica em relação a todos aqueles que não têm nada para meter na boca.
Dizem-me que tenho de perder algum peso. E eu acredito. A desculpa de ter os ossos largos teve um prazo limitado e já não a posso utilizar com um sorriso nos lábios.

Moral da história: se quiserem comer no restaurante Chico Elias, em Tomar, marquem mesa primeiro! (vale a pena)

Pensem nisto, seus trogloditas comilões…

2 Comments:

Blogger Isa diz que disse...

Quase me fizeste gostar de bolachas de aveia...

12:13 da manhã  
Blogger casim diz que disse...

O Chico Elias e as bolachas de aveia são dois verdadeiros atentados a quem quer que seja que esteja numa de fazer dieta! Não fosse eu ter acabado de chegar do almoço e ia já ali ao supermercado comprar umas bolachinhas. E olha que mesmo assim... até já!

2:05 da tarde  

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