12/24/2004

Pedro e as viagens no tempo

Pedro Nogueira era um jovem normal. Trabalhava na função pública e era um animal de hábitos. Quando o destino lhe acenou a mão, numa fria tarde de Inverno de 2002, não se encontrava de todo preparado para a descoberta que estava prestes a fazer.
Ao atravessar a Avenida Duque de Loulé, em Lisboa, Pedro deparou-se com um estranho fenómeno: o seu relógio retrocedeu meia-hora quando passou em frente ao restaurante chinês Wung Tang. Estranhando o sucedido, julgou que o dito relógio estivesse avariado. Porém, como seria possível que tivesse chegado a sua casa, situada no topo da rua, exactamente dez minutos antes da hora a que saiu do emprego? Confirmou as suas dúvidas olhando para o relógio do telemóvel. Também este lhe indicava que Pedro tinha ganho trinta minutos de vida.
Foi só ao final de quatro dias que Pedro inferiu que a zona circundante ao restaurante chinês parecia ter o poder de fazer o tempo andar para trás. Uma espécie de portal temporal regressivo. O que, note-se, se tratava duma situação absurda mas, todavia, bem vinda. Pedro podia sair do seu emprego às 18, subir lentamente a rua, entrar em casa, calçar os seus chinelos de tafetá, preparar um chá e ligar a televisão a tempo de apanhar o noticiário das 18.
Tentou então explorar o recém descoberto fenómeno para seu benefício financeiro. Numa primeira fase, comprou um montão de raspadinhas na tabacaria que se encontrava em frente ao seu local de trabalho e, ao descobrir que não lhe saía prémio algum, corria para o portal temporal e retrocedia trinta minutos. Olhava para a carteira, e os vinte euros que havia gasto em raspadinhas (que, entretanto, lhe desapareceram da carteira) continuavam lá estacionados, impávidos e serenos. Porém, como só conhecia o resultado de uma raspadinha depois dela ter sido riscada, esta situação de raspa-não-sai-volta-atrás-no-tempo era um beco sem saída. Pedro nunca sabia se estava a raspar algo premiado ou não, pelo que não poderia aprender com a experiência.
Partiu então para medidas mais radicais e decidiu dedicar-se à experimentação de drogas diversas. Qual o problema em fumar uma deliciosa ganza, cheirar uma sumarenta linha de coca ou dar um valente caldo na veia quando se podia voltar atrás no tempo e continuar um percurso sóbrio e capaz? Isso levou a que Pedro, nos seus estados mais alterados, congeminasse fantásticas teorias sobre a existência do portal. Numa dessas teorias, Pedro chegou mesmo a acreditar que estava envolvido numa espécie de experiência militar do governo em parceria com extraterrestres. Telefonou repetidas vezes para altas patentes do exército, prometendo divulgar o seu conhecimento sobre o assunto. Porém, como toda a gente o considerava louco, Pedro decidiu voltar à normalidade da sua vida rotineira e passou a evitar o portal temporal.
Infelizmente, todo o fenómeno foi demais para ele. Enlouqueceu passados alguns dias.
Encontra-se internado, desde então, no Hospital Curry Cabral, onde partilha um quarto com Zé Maria, do Big Brother, passando os seus dias a aprender a cuidar de galinhas e a enrolar fios de palha para fazer chapéus. Manifestou recentemente interesse em tirar um curso de cavaquinho através de alguns fascículos práticos da Planeta Agostini, apesar da referida editora insistir repetidamente que não possui semelhante colecção no seu catálogo. Pedro insiste que uma dia possuirá.

Moral da história: se Pedro tivesse também descoberto um portal que avançasse no tempo, poderia conjugar os dois de forma a poder apostar nas chaves do Totolotto e ganhar fabulosos prémios. Isto se os portais estivessem próximos, claro. Caso contrário, não conseguiria sair do portal do futuro a tempo para entrar no portal do passado e fazer a sua aposta.

Pensem nisto, meus peregrinos temporais…