12/20/2004

Os meus amigos imaginados

Segundo alguns especialistas de renome, é saudável para uma criança possuir amigos imaginários. Não só ajuda a estimular a sua imaginação como chega mesmo a sentir-se aconchegada e acompanhada durante momentos mais difíceis e solitários.
Eu fui uma dessas crianças.
Porém, o meu amigo imaginário não era propriamente humano. Chamei-lhe Poker e criei-o quando tinha nove anos de idade. Possuía três pernas e respirava por guelras protuberantes nas partes laterais do seu pescoço. Tinha a força de mil homens, membranas entre os dedos e comunicava comigo por código de morse, embora, por algum motivo que ainda hoje não compreendo bem, eu conseguisse comunicar com ele pensando em português.
Um dos problemas na nossa relação era, precisamente, o facto de Poker possuir três pernas. Movimentava-se, obviamente, muito mais depressa do que eu, e eu via-me à rasca para o acompanhar. Foi por isso que, uns meses mais tarde, cansei-me daquele acelerado andamento e criei uma amiga para Poker – a Xénia – de modo a que ele se sentisse acompanhado por alguém da sua espécie e eu pudesse retomar o meu ritmo de locomoção normal. E decidi criar então um novo amigo para mim, desta vez humano, chamado Paulinho.
Terá sido nesta altura que as relações entre os meus amigos imaginários azedaram. Ver Poker divertido e satisfeito com Xénia libertou em mim os primeiros sentimentos de ciúme. E Paulinho apercebeu-se disso. Apelava constantemente para a minha atenção, quando, na realidade, o foco da minha concentração era a saudável relação que se parecia estar a desenvolver entre Poker e Xénia. Relação à qual, note-se, eu já me sentia alheio.
Os anos passaram-se. Eu cresci e superei estes problemas.
Poker e Xénia prosseguiram a sua vida e encontram-se alegremente unidos pelos laços do matrimónio. Tiveram recentemente uma ninhada de filhos, igualmente imaginários, que, sendo crianças e não tendo ainda passado a sua fase da metamorfose, consistem apenas em pequenas larvas que os pais carregam numa espécie de bolsa marsupial que possuem nas costas.
A minha relação com Paulinho, porém, nunca mais foi a mesma. Cedo se apercebeu que a sua criação ocorreu por conveniência e nunca me perdoou por isso. Tornou-se arrumador de carros (imaginários) num aterro sanitário em Vila Chã de Cartanheira.
Quando penso nos meus amigos imaginários e nas opiniões informadas de pediatras e psicólogos da aprendizagem, fico na dúvida se este tipo de estimulação será realmente benéfica para as crianças.
Mas agora sei que não pode ser coisa boa.
Poker e Xénia convidaram-me recentemente para ser o padrinho dos seus quinze filhos. Ainda não sei bem como lhes hei-de dizer que não sou católico. Paulinho, infelizmente, faleceu há cerca de três meses com uma overdose. Veio-se a saber que o seu traficante imaginário de droga imaginária introduziu algum cimento na heroína que lhe vendeu, o que levou à criação de coágulos de argamassa nas veias de Paulinho. O seu último caldo foi a sua última ceia!

Moral da história: se decidir criar amigos imaginários, faça-o com responsabilidade.

Pensem nisto, meus imaginários leitores…

2 Comments:

Anonymous Anónimo diz que disse...

Proteburantes???????? Que será?????????????????????filho de 1 prótese + 1 burante ??? um burante?????????? Que será ???????????????

1:42 da tarde  
Blogger André Toscano diz que disse...

do Lat. protuberante

adj. 2 gén., que tem ou forma protuberância;
saliente.

Qualquer distorção deste adjectivo, como uma simples troca de vogal, deverá ser considerado um erro ortográfico inofensivo.
;-)

2:11 da tarde  

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